29.11.09

Uma praga contra elegias

Oh, amor, por que nos acusamos desse jeito?
Estou exausta de toda a sua tagarelice piedosa.
Aliás, estou exausta de todos os mortos.
Eles se recusam a ouvir,
então, deixe-os a sós.
Tire o seu pé do cemitério,
os mortos andam ocupados sendo mortos.

Todos estão sempre a culpar:
a garrafa de bebida, vazia, a última pela quinta vez
pregos enferrujados e penas de galinha
aquilo que ficou emperrado na lama, na porta traseira,
os bichos que viveram sob a orelha do gato
e do pregador de lábios finos
que se recusou a pedir ajuda,
exceto uma vez, num dia infestado de pulgas,
quando se arrastou de um extremo a outro do quintal,
à procura de um bode expiatório.
Escondi-me na cozinha, sob a sacola de farrapos.

Eu me recuso a lembrar dos mortos.
E os mortos estão enfastiados com essa coisa toda.
Mas você - você vai em frente,
Continue, continue e desista
no interior do cemitério,
deite-se onde, você julga, deve estar a face deles;
Dê uma resposta rude aos seus velhos sonhos ruins.

A Curse Against Elegies

Oh, love, why do we argue like this?
I am tired of all your pious talk.
Also, I am tired of all the dead.
They refuse to listen,
so leave them alone.
Take your foot out of the graveyard,
they are busy being dead.

Everyone was always to blame:
the last empty fifth of booze,
the rusty nails and chicken feathers
that stuck in the mud on the back doorstep,
the worms that lived under the cat's ear
and the thin-lipped preacher
who refused to call
except once on a flea-ridden day
when he came scuffing in through
the yard looking for a scapegoat.
I hid in the kitchen under the ragbag.

I refuse to remember the dead.
And the dead are bored with the whole thing.
But you - you go ahead,
go on, go on back down
into the graveyard,
lie down where you think their faces are;
talk back to your old bad dreams.

Anne Sexton

Morcego

A medonha pele dele
estirada para uns homens de negócio
é semelhante à minha, aqui no meio dos meus dedos,
um tipo de enredo, um tipo de rã.
É certo: desde as entranhas, minha face foi esta, miudinha
e antes mesmo de nascer, eu poderia voar, é certo.
Não tão bem, mentirinha, eu tinha só um véu de pele,
dos meus braços ao corpete-cintura.
E voei à noite, também. Para não ser vista,
pois se me vissem, me atirariam abaixo.
Talvez em agosto, como árvores que evolam (em corolas) às estrelas,
eu flutuasse de folha em folha, na espessura do escuro.
E se você me houvesse fisgado com seu facho de luz,
veria um corpo rosa e morto, com asas,
fora, fora, desde o ventre da mãe, coberto de pelos
e áspero, a deslizar sobre as casas, forças armadas.
Eis por que os cães da sua casa me farejam.
Eles sabem que sou algo a ser pego
em algum lugar do cemitério, de cabeça para baixo,
como um seio deformado.

Bat

His awful skin
stretched out by some tradesman
is like my skin, here between my fingers,
a kind of webbing, a kind of frog.
Surely when first born my face was this tiny
and before I was born surely I could fly.
Not well, mind you, only a veil of skin
from my arms to my waist.
I flew at night, too. Not to be seen
for if I were I'd be taken down.
In August perhaps as the trees rose to the stars
I have flown from leaf to leaf in the thick dark.
If you had caught me with your flashlight you
would have seen a pink corpse with wings,
out, out, from her mother's belly, all furry
and hoarse skimming over the houses, the armies.
That's why the dogs of your house sniff me.
They know I'm something to be caught
somewhere in the cemetery hanging upside down
like a misshapen udder.

Anne Sexton